sexta-feira, 20 de julho de 2012

Profundos olhos


Profundos olhos,
tão imensamente transparentes,
as tuas cintilantes superfícies
são o avesso da tristeza que pressentes.

Morfinar-se

Vou esquecer-me num canto
e ouvir de mim mesmo apenas rumores.
Sorverei doses cavalares de contentamento
e calarei minha alma, sobretudo.

Da vida, nunca mais esperarei tanto!

Desconheço 'quanto', ignoro 'quando'.
Os anos vão bem,
desde que vão passando...

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Desconfie (ou People)

Deixo um aviso:
É totalmente premeditado
tudo o que pareça improviso.

Deixo outro aviso:
É plenamente falsificado
qualquer esboço de sorriso.

Canção dos companheiros

Para que durmas tranquilo
(tal qual observo agora),
eu te tomo os pesadelos
noite adentro e noite afora.

Não por virtuosa bondade,
favor desinteressado,
mas audaz expectativa
de que estejas ao meu lado.

Caso te faça contente,
não sou de todo egoísta.
Convém não mirar as coisas
por ângulos tão simplistas.

Noite adentro e noite afora,
terás um sono tranquilo.
E eu combatendo teus medos
e inimigos (em sigilo).

Chá comigo


Dois pires.
Sobre cada pires,
uma xícara.
Três-quartos de chá em cada xícara.

Tudo sobre uma mesa.

E eu
(sobre a cadeira)
sem qualquer traço de leveza.

Lonjuras

Ah,
lonjuras do horizonte noturno,
que distâncias tão sonhadas
embriagam o meu espírito.

Que terrível não ter asas!

Ah,
lonjuras do horizonte noturno,
vertigem das madrugadas,
contemplo-vos pensativo:

Que terrível não ter asas!

terça-feira, 22 de maio de 2012

retro excesso


Ventos que soprais nos morros,
penteando forragens
e varrendo pétalas...
Quando fordes, levai convosco
meu bucolismo fora de época.

Sonhei


Sonhei que voava alto
entre brumas de esquecimento.
Acordei, e a cabeça tola
tinha as mesmas lembranças dentro...

domingo, 8 de abril de 2012

Poemas noturnos de despedida

I

Não que não doa o meu coração...
Dói!
Mas acostumou-se às partidas.

Não que não sangre, não sofra, não ame...
Ama!
Mas habituou-se às despedidas.

Ouvirá o teu adeus
Com a calma típica de quem há muito aguarda...
E não protestará!

Os dias tornar-se-ão longos e pesarosos
E as noites serão frias e deprimentes.
Mas, o meu coração
(com a calma típica de quem há muito aguarda)
Não protestará!

Dirás, então:
"Que frio, que frígido o teu coração!
Não sangra, não sofre, não ama!
Não tem feridas!"

Direi:
"Ama!
Mas habituou-se às despedidas..."


II

Se queres, vai...
Pois não ostento o que não tenho
E não agarro o que me escapa!

Se queres, fica...
Mas pousa livre no meu ombro,
Sem coleira e sem anilha.

domingo, 1 de abril de 2012

Das dores do pranto

Quem chora
Quer quem afague,
Quem abrace sem alarde...

Alguém sem pressa de ir embora,
Alguém que fique toda a tarde.

Quem chora tem um espaço
(vazio),
Um papel sem traço.
Tem três crianças doentes,
Famintas, de pés descalços.

Quem chora
Quer quem lhe diga:
- Vai que a tua dor fica...
Quer um ombro, um peito, um colo;
Quer um prato e uma marmita.

Quem chora
Quer, sem alarde,
Quem abrace e quem afague.
Quem chora
Quer um milagre!

sexta-feira, 16 de março de 2012

Poema ordinário


Este poema, que ordinariamente vos apresento,
É deficiente: Em rima, ritmo e acento.
É um texto humilde de tristeza e de lamento;
Não há diferença se fica ou vai com o vento:

Ando inquieto,
Já em nada me apego.
Ando cego.
E tão vago me parece
O sonho que tive um dia:
A dor da vida passava, ia...
E, gloriosamente,
Meu jardim floria.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Gangorra


Isso
de não saber ser rio
(só saber ser fonte
ou um vasto mar),
eu bem sei que, cedo ou tarde,
ainda há de me matar...

Isso
de não saber ser safra
(só saber ser seca
ou inundação)
torna certo que irá morrer
de fome o meu coração.

Franqueza


Longe de mim, ser santo.
E só coisas boas
- da minha parte -
não lhe garanto.

Mas tento, exaustivamente,
não ser falso...
e com ninguém eu faço
o que o gato, hipocritamente,
faz ao rato.

Sempre fui assim:
Ou eu brinco
ou eu mato.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Mercador, não me apareça...

Dor,
que eu gasto,
gasto
e nunca acaba...

Poço sem fundo
de água amarga.

Mercador, não me apareça...
Que eu vendo a dor e a alma!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Pra onde vai a chuva


Chove na terra,
e os pingos longos da chuva fresca
regam as flores da primavera.

(Com águas rosadas)

Chove no mundo,
e os pingos grossos da chuva rala
molham as costas de um vagabundo.

(Com águas amarelas)

Chove no morro,
e os pingos fortes sobre os barrancos
fazem um pobre pedir socorro.

(São águas castanhas)

Chove na vida,
e gotas tristes de um pranto amargo
correm dos olhos da dona Guida.

(Que águas cinzentas...)

Mas, tudo o que sei
é que chove e chove.
E não importa a cor da água,
é pro chão que ela se move...

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Ora...


Ora,
Se o mundo é mesmo esse ovo podre,
A culpa é sua
E também minha...

Não façamos a sacanagem
De pôr culpa na galinha!

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Versos tristes de outubro


i
A quem pergunte se casei,
Se procriei,
Se evaporei,
Se virei pó...
Responda apenas que vou só.

A alma livre. O peito nu.

Mais só que o sol
No céu azul.

ii


De
Mim
Fá, Sol, Lá, Si...
Se me pego assim tão só.

Sem canção,
Sem sol,
Lá, Si.
Lá se vai meu arrebol...

iii

Cada um sofre de um lado
Pela mesma dor, calado.
Cada um sofre de um jeito
Pela mesma dor...
No peito.

iv

Meu coração propõe ao teu
(Que viaja o ano inteiro),
Desfazer todas as malas
E ter-me por paradeiro.